Querida Yoani,
Sua intenção de visitar o Brasil me comove. Como acredito que, cedo ou tarde, esse direito será concedido, aproveito para deixar aqui algumas dicas importantes que podem ser úteis.
Se entrar por São Paulo, cuidado com a bagagem. Recomendo fortemente vir apenas com uma mala de mão para não correr o risco de ter que lidar com o pequeno drama de ficar plantada por horas à frente de uma esteira olhando aquelas dezenas de malas irem e virem, sem ter mais o que fazer e em atitude quase bovina.
Com sorte, ficará ali por uma ou duas horas e conseguirá reconhecer e recolher sua mala. Mas vale ficar atenta porque o brasileiro é um povo confuso e temos tido notícias de sumiço de malas no nosso aeroporto internacional. Querem nos convencer de que existe uma quadrilha atuando nos bastidores por lá, mas é coisa da mídia golpista. O que acontece de verdade é que somos alegres, extrovertidos e, especialmente no verão, não vemos a hora de sair de um lugar fechado e cair em algum ziriguidum por aí. Na pressa, acabamos pegando a mala errada e zarpando.
Isso resolvido, é inevitável que o carro que a conduz tenha que pegar a Marginal para chegar à cidade. Leve um livro, ou vários, na bolsa porque o trajeto pode demorar mais de hora e meia, dependendo do local da cidade para onde vai, do trânsito e, claro, da chuva.
Essa é uma dica importante: em São Paulo, quando chove, principalmente nos meses de verão, as ruas alagam e muitos bairros ficam sem luz. Vale não sair de casa. Ou, se estiver de bom humor, fazer como aquele rapaz, o ex da Demi, e sair para brincar na água. O resultado do exame de leptospirose dele ainda não foi divulgado, mas o cara parece ter sobrevivido à saudável e inteligente brincadeira.
Nosso governo – federal, estadual e municipal – tem feito o que pode para resolver a questão da chuva na cidade. Mas, como chove por aqui há milhões de anos apenas, eles parecem estar ainda surpresos com os danos causados pela água.
Há quem diga – aqueles mesmos golpistas – que o asfaltamento de córregos, por sobre os quais agora passam ruas, e as construções à beira de mananciais himpermeabilizaram o solo e agora temos que encarar os alagamentos. Ou seja, querem culpar a recente atuação do homem e não as seculares manifestações da natureza.
Sinto-me inclinada a dizer a verdade a você: nossos políticos, ocupados com a compra de novos latifúndios pessoais, com a reforma de suas muitas casas, com a aquisição de novos carros e barcos, não podem ser responsabilizados pela violência com que a água cai, podem?
Em assunto não relacionado, temos uma das maiores cargas tributárias do mundo, e todo esse dinheiro arrecadado anualmente deve aparecer já já para ser usado em reformas da coisa pública. Tipo: saneamento básico, escolas, saúde pública, esses detalhezinhos… Minha intuição me diz que o Governo está guardando bem bonitinho para usar de uma vez, como em uma festa surpresa para o povo. O Governo se preocupa muito com o povo.
Mas vamos voltar ao que interessa. Tendo a sorte de cruzar a Marginal sem chuva, recomendo a escolha de um hotel com janelas anti-ruído. Como disse, somos festeiros e a prefeitura incentiva a bagunça, que representa a alegria do nosso povo, 24 horas por dia. A forma de incentivo vem com a não fiscalização de poluição sonora depois das 22h – valem festas barulhentas, obras madrugada adentro, buzinaço etc etc etc. E vamos falar numa boa? Quem dorme às dez da noite?
Os incomodados que comprem janelas anti-ruído, né? E, com elas, você ainda pode deixar de ouvir – em parte, porque não são perfeitas – uma de nossas mais recentes manifestações culturais: a passagem do caminhão que recolhe caçambas.
Olha, tem quem reclame, mas o barulho é desses que faz a gente entender como a vida é grande e imprevisível: sempre boas lições. Mas relaxa; você não corre o risco de ser acordada assim que pegou no sono ou pouco antes de o despertador tocar, não se preocupe. Os caminhões passam sempre entre três e quatro da manhã.
Recomendo que vá até a janela para olhar porque é tudo muito bem ensaiado: o motorista desce gritando com seus ajudantes, que começam a tirar as correntes e ferro também aos uivos. O choque da corrente de ferro com o asfalto faz tudo tremer, é até gostosinho. Mas o melhor mesmo é quando a caçamba é delicadamente arremessada ao solo: nessa hora a impressão é a de que o prédio ao lado está ruindo. Olha, não custa ir dar uma checada porque recentemente prédios têm ruído por aqui.
Tudo isso acontece muito nos bairros de elite, claro. Lá para os lados da periferia.. bem, que importa? Quem vai lá? Nossos políticos guerreiros apenas. E de quatro em quatro anos.
O que me faz lembrar de te dizer que se ouvir alguns estalos no prédio em que está, saia pela escada e rápido. Há tempo para descer antes que tudo venha abaixo. Quem diz coisas como “tudo caiu de repente” é porque está com o ouvido sujo. Há vários estalos, clecs e clacs, antes da coisa desmoronar. Dá tempo sim.
Voltando ao ritual da caçamba, aproveite para dar uma esticada nas pernas durante a madrugada. Quando a caçamba a acordar, lembre-se daquela pesquisa realizada na Universidade do Iemen, ou foi na do Gabão?, agora não lembro, que diz que sair andando pela casa de madrugada não faz mal nenhum – embora também não faça bem.
Se estiver animadinha, vá para a rua. Sem carteira, claro. E, sim, se não tiver medo de ratos e baratas. Tem muita gente fresca por aqui que tem, sabia? E como existem ziguilhões de ratos e baratas, atraídos também pelas caçambas que ficam cheias de lixo e abertas nas ruas, essas pessoas preferem nem andar por aí.
No mais, Yoani querida, é aproveitar a beleza da cidade. Vá conhecer a avenida Santo Amaro, a Rebouças, a Nove de Julho, a Prestes Maia, a 25 de Março, a 23 de Maio (engraçada essa nossa mania de dar o nome com datas, né? Faz parte da criatividade de nossa classe política). Mas vá entre seis e nove da noite, assim pode pegar o trânsito bem do comecinho. Não precisa levar nada, só um dinheirinho no bolso para comprar as coisas que vendemos nos sinais ou até no meio de avenidas expressas: de água e chocolate a guarda-chuva e calculadora, passando por flores e brinquedos infantis.
É nóis, Yoani. E viva e liberdade de ir e vir. You’re gonna love São Paulo, honey.